- Marcelino Freire

Como surgiu a idéia da Coleção 5 Minutinhos?

Surgiu de minha inquietação. Sou um cara inquieto, que gosta de mexer em projetos, agitar o pedaço, fazer coisas. A primeira edição do meu livro "eraOdito", por exemplo, saída em 1998, eu mesmo fiz, produzi, corri atrás. Quando, em 2000, surgiu a Ateliê Editorial e publicou o meu livro de contos "Angu de Sangue", eu meio que fiquei órfão dessa coisa tipo "faça você mesmo". Em 2002, antes de lançar o meu novo livro de contos, o "BaléRalé", também pela Ateliê, eu tive a idéia de produzir um livrinho chamado "30 Segundos". Nele, eu reuni “30 microcontos para você ler no intervalo da novela". O pessoal diz que não tem tempo para ler, mas vive assistindo a Regina Duarte, o Tony Ramos de manhã, de tarde, de noite, na madrugada. Quis brincar com isso. Eu escrevo uns microcontos e essa seria a oportunidade de colocá-los em um livrinho, distribui-los por aí. Falei disso para o escritor Nelson de Oliveira, que escreveu um romance em 30 microcapítulos. Foi quando eu tive a idéia de convidar mais oito escritores e lançar a Coleção 5 Minutinhos.

Cada escritor com "30 segundos" de prosa e poesia, teríamos no total "5 minutinhos" da boa literatura. Livrinhos para serem distribuídos de graça em lugares onde as pessoas estivessem esperando pelos famosos "5 minutinhos", como em paradas de ônibus, filas de cinema, dentro de consultórios dentários, em salões de beleza. Foi um sucesso essa "provocação". E o projeto reunia nomes como os de João Gilberto Noll, Moacyr Scliar, Manoel de Barros, Glauco Mattoso, Fabrício Carpinejar, todos com um texto inédito. Enfim, agora resolvi lançar uma Coleção 5 Minutinhos especial para as crianças. E lançar em grande estilo. Lançamento nacional na Jornada Literária de Passo Fundo. Maravilha, não é não?

O que representa para você e para "o mundo literário" a 10ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo?

Sempre ouvi falar da Jornada de Passo Fundo. E pensava eu: quando é que eu vou ter a honra de estar lá? Acho uma maravilha a Jornada! Os escritores falando para milhares de pessoas, uma cidade toda mobilizada pela literatura. Vocês, gaúchos, têm muito isso: o livro acontecendo nas ruas, a população dentro, no centro da discussão... O espetáculo que acontece embaixo das lonas de um circo, longe da convenção de palácios... Uma maravilha sem igual! É uma honra participar com vocês desta festa.

Como você caracteriza sua obra "eraOdito"?

O "eraOdito" é um livro feito para diversão. Um livro lúdico, feito para reflexão, para o riso, entende? Minha prosa é densa, difícil. Costumo, entre uma prosa e outra, inventar um projeto para me reanimar. Para meu deleite. Para refrescar o meu juízo, entende? O "eraOdito" surgiu assim. Eu me diverti muito descobrindo aquelas frases dentro das frases. Gosto de tirar as coisas do lugar. Gosto de jogar um pouco de cisco nos pensamentos engessados. As frases do "eraOdito" só me interessavam quando vinham para desdizer, para desvirtuar. Com a ajuda da Silvana Zandomeni, que fez todo o projeto gráfico, eu fiz um livro que agrada a todas as idades, a todos os tamanhos. Exatamente porque o "eraOdito" não tem a pretensão de ser "poesia". A única pretensão é desfocar as coisas. Como se eu tivesse colocado uma casca de banana no caminho de alguns provérbios, de algumas máximas, só para vê-los cair. Como se tudo fosse uma cena de cinema-pastelão com as palavras pelo chão, entende?

Como analisa a literatura brasileira hoje?

Está tudo bem bom, creio. O surgimento de novos escritores, o surgimento de novas editoras, novas revistas, o surgimento de outros meios de comunicação, Internet, blog, essas coisas. O pessoal tem mania de dizer que a literatura brasileira morreu com o Guimarães Rosa, com o João Cabral. Que nada de novo aconteceu. Não creio nisso. O conto, por exemplo, voltou bem forte na década de 90. Eu faço parte, de alguma forma, do ressurgimento dele. Sou um dos editores da revista de prosa PS:SP. Faço parte de uma geração que produz muito em São Paulo. Uma geração que tem contato com tudo que é produzido pelo Brasil. Sem contar os grandes que continuam atuantes, como o Luis Fernando Veríssimo, o Moacyr Scliar, o Rubem Fonseca. Ou seja, se minha literatura é duramente pessimista, o movimento literário da qual ela faz parte o vejo com grande otimismo. Estamos bem na fita.

Você tem (sofre) influências literárias?

Influência nós temos de tudo. Cansa-me um pouco essa história de acharem que escritor só tem influência de escritor. Claro que tudo o que lemos é importante para tudo o que escrevemos. Mas não é só isso. É sacanagem com o porteiro do meu prédio dizer que a minha literatura só tem influência do Guimarães Rosa por exemplo. Sou de uma geração que viu TV, que se conectou ao computador. Que comprou videocassete, que aluga DVD. Agora mesmo fiquei sabendo que descobriram algo chamado "freio luminoso". Conseguiram frear a velocidade da luz. Nossa! Essa notícia mesmo, lida hoje, me influenciou deveras. Vou escrever um conto a respeito.

Por que você chama de "improvisos" os 18 contos curtos da obra "BaléRalé"?

Eu sou um escritor do improviso. Explico: tudo que escrevo vem de uma "memória" auditiva. Vem de um sotaque, entende? Como se eu tivesse compondo um repente. Mas olhe: nunca fui de ouvir muito cantador nordestino, de acompanhar maracatu, embolada. Meus contos vieram, na verdade, de tanto ouvir minha mãe cantarolando na cozinha. Vieram de um som, de uma ladainha. Vejo isso como um improviso. Não quero dizer com isso que o que eu escrevo seja delirante, não tenha meu texto um rumo narrativo. O fato é que tudo o que eu escrevo começa de um gemido, de um som, entende? Por isso achei por bem chamar os meus contos do "BaléRalé" de "improvisos". Brincando, inclusive, compactuando, inclusive, com essa coisa que tem muito no balé moderno, os passos improvisados. A invenção na dança, uma certa "contradança", entende?

Para que "área" gostaria de escrever e ainda não o fez?

Adoraria voltar a escrever para teatro. Comecei escrevendo para teatro aos 14 anos. Por isso meus contos têm um cacoete teatral. São monólogos. São falas inteiras. Coloquem uma atriz, um ator no palco, coloquem uma luz e um dos meus contos na boca de um deles que tudo vira espetáculo, tenho certeza. Adoraria, idem, escrever para cinema. Mas roteiro já é uma outra ciência. Onde tem ciência eu não tenho muita paciência. Um dia, quem sabe?

26 A 29 DE AGOSTO DE 2003 - CAMPUS UPF - CIRCO DA CULTURA - PASSO FUNDO - RS - BRASIL
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