Em
seus livros você procura trazer à tona nas crianças
a vontade de sonhar e expressar emoções. Como você
acha mais fácil fazer isso através de histórias
ou ilustrações?
Vejo
a ficção como uma forma de, através de
alguma linguagem poética, tentar compreender e dar sentido
à vida e às coisas do mundo. Existem assuntos
não passíveis de lições, situações
de contradição, ambigüidade ou incompatibilidade.
Por exemplo, a determinação do que é realidade
ou fantasia; as paixões; as angústias; o lidar
com a passagem inexorável do tempo; as situações
de dupla existência da verdade; as utopias; a construção
da voz pessoal e coisas assim. Cabe ao enredo de ficção
contar de como tal situação contraditória,
ou seja, não passível de “lições”
unívocas, desenrolou-se até um determinado desfecho,
não necessariamente conclusivo.
Creio
que o desafio do escritor e do ilustrador é criar enredos,
linguagens e imagens que consigam penetrar nesse território
imaginário onde a contradição está
colocada e, assim, fazer com que o leitor especule e se divirta
ao mesmo tempo, talvez até revendo ou relativizando suas
concepções. Refiro-me aqui a qualquer tipo de
literatura, inclusive a infantil. Sei que pode soar pretensioso
falar essas coisas, principalmente quando remetemos à
literatura infantil, em geral tão deprezada. Não
faz mal. Aliás, na minha visão, abordar tais assuntos
é a única coisa que justifica comprar um livro
de ficção. Outra coisa: nada disso é fácil.
O
tema da Jornada nesse ano é “Vozes do Terceiro Milênio:
a arte da inclusão”. O que você achou do tema
proposto?
Se
por inclusão entende-se o acesso de pessoas a um certo
patamar social, à cidadania etc. acho ótimo. É
preciso, porém, lembrar que se a gente estiver falando
de culturas, de modos de ver, de pessoas e valores humanos,
neste caso, a questão não é incluir mas
sim aprender a conviver com as inúmeras diferenças.
Nosso país está cheio delas e a diversidade é
uma grande riqueza.
Como pesquisador de cultura popular, estudando nossa cultura
você nos vê incluindo as crianças em uma mesma
voz, como o tema da Jornada procura discutir?
Como
disse, para mim, a questão é possibilitar que
as pessoas tenham acesso a uma situação social
equilibrada e justa, mantendo a heterogeneidade, a diversidade
de vozes e concepções. Creio que ressaltar essa
contradição é muito importante.
Como foi o seu contato com os leitores nas suas últimas
participações na Jornada? Eventos assim ajudam a
incentivar esses pequenos leitores?
Da
outra vez, dei uma oficina e acabei tendo pouco contato com
os leitores. No geral, acho esses encontros importantes, principalmente
no sentido de humanizar a literatura, a criação,
a arte. Muitas crianças e adultos acreditam que escritores
são seres muito diferentes deles, o que é uma
bobagem. Essa visão desumanizada tem contribuído
para afastar as pessoas da leitura e da literatura.
“Trezentos
parafusos a menos” é uma história que trata
de temas que hoje afligem a sociedade, como o desemprego. O público
infantil e jovem pode encontrar nos livros uma forma de entender
o mundo lá fora?
O
desemprego não é o assunto importante desse livro.
Nele relato certos momentos vividos por uma família de
classe média em que os pais parecem agir sem ter juízo,
“infantilizadamente”, enquanto a filha tenta segurar
o rojão e compreender o que está acontecendo.
Note que uma situação assim é muito mais
comum do que prevêem os manuais e estereótipos.
Num certo sentido, o livro coloca em discussão, através
da ficção, os papéis convencionais de adultos
e crianças.
Sem
dúvida, a literatura pode e deve discutir o “mundo
lá for a” assim como também o “mundo
aqui dentro”. Um não existe sem o outro.
Como
surge uma história para o senhor? São experiências
pessoais ou não?
Quem
escreve, imagino eu, gosta de inventar e contar histórias
ou, pelo menos, de exteriorizar sensações. Claro
que as experiências pessoais contam e são importantes
mas, em geral, o escritor cria a partir delas. São como
um ponto de partida. Ao se libertar da experiência pessoal,
o autor entra plenamente no território da ficção.
O que os pequenos leitores, aqui de Passo Fundo, podem
esperar de Ricardo Azevedo para essa Jornadinha?
Um
cara que chega com vontade de saber o que está acontecendo,
conversar, ouvir e trocar experiências.