- Ricardo Azevedo

Em seus livros você procura trazer à tona nas crianças a vontade de sonhar e expressar emoções. Como você acha mais fácil fazer isso através de histórias ou ilustrações?

Vejo a ficção como uma forma de, através de alguma linguagem poética, tentar compreender e dar sentido à vida e às coisas do mundo. Existem assuntos não passíveis de lições, situações de contradição, ambigüidade ou incompatibilidade. Por exemplo, a determinação do que é realidade ou fantasia; as paixões; as angústias; o lidar com a passagem inexorável do tempo; as situações de dupla existência da verdade; as utopias; a construção da voz pessoal e coisas assim. Cabe ao enredo de ficção contar de como tal situação contraditória, ou seja, não passível de “lições” unívocas, desenrolou-se até um determinado desfecho, não necessariamente conclusivo.

Creio que o desafio do escritor e do ilustrador é criar enredos, linguagens e imagens que consigam penetrar nesse território imaginário onde a contradição está colocada e, assim, fazer com que o leitor especule e se divirta ao mesmo tempo, talvez até revendo ou relativizando suas concepções. Refiro-me aqui a qualquer tipo de literatura, inclusive a infantil. Sei que pode soar pretensioso falar essas coisas, principalmente quando remetemos à literatura infantil, em geral tão deprezada. Não faz mal. Aliás, na minha visão, abordar tais assuntos é a única coisa que justifica comprar um livro de ficção. Outra coisa: nada disso é fácil.

O tema da Jornada nesse ano é “Vozes do Terceiro Milênio: a arte da inclusão”. O que você achou do tema proposto?

Se por inclusão entende-se o acesso de pessoas a um certo patamar social, à cidadania etc. acho ótimo. É preciso, porém, lembrar que se a gente estiver falando de culturas, de modos de ver, de pessoas e valores humanos, neste caso, a questão não é incluir mas sim aprender a conviver com as inúmeras diferenças. Nosso país está cheio delas e a diversidade é uma grande riqueza.

Como pesquisador de cultura popular, estudando nossa cultura você nos vê incluindo as crianças em uma mesma voz, como o tema da Jornada procura discutir?

Como disse, para mim, a questão é possibilitar que as pessoas tenham acesso a uma situação social equilibrada e justa, mantendo a heterogeneidade, a diversidade de vozes e concepções. Creio que ressaltar essa contradição é muito importante.

Como foi o seu contato com os leitores nas suas últimas participações na Jornada? Eventos assim ajudam a incentivar esses pequenos leitores?

Da outra vez, dei uma oficina e acabei tendo pouco contato com os leitores. No geral, acho esses encontros importantes, principalmente no sentido de humanizar a literatura, a criação, a arte. Muitas crianças e adultos acreditam que escritores são seres muito diferentes deles, o que é uma bobagem. Essa visão desumanizada tem contribuído para afastar as pessoas da leitura e da literatura.

“Trezentos parafusos a menos” é uma história que trata de temas que hoje afligem a sociedade, como o desemprego. O público infantil e jovem pode encontrar nos livros uma forma de entender o mundo lá fora?

O desemprego não é o assunto importante desse livro. Nele relato certos momentos vividos por uma família de classe média em que os pais parecem agir sem ter juízo, “infantilizadamente”, enquanto a filha tenta segurar o rojão e compreender o que está acontecendo. Note que uma situação assim é muito mais comum do que prevêem os manuais e estereótipos. Num certo sentido, o livro coloca em discussão, através da ficção, os papéis convencionais de adultos e crianças.

Sem dúvida, a literatura pode e deve discutir o “mundo lá for a” assim como também o “mundo aqui dentro”. Um não existe sem o outro.

Como surge uma história para o senhor? São experiências pessoais ou não?

Quem escreve, imagino eu, gosta de inventar e contar histórias ou, pelo menos, de exteriorizar sensações. Claro que as experiências pessoais contam e são importantes mas, em geral, o escritor cria a partir delas. São como um ponto de partida. Ao se libertar da experiência pessoal, o autor entra plenamente no território da ficção.

O que os pequenos leitores, aqui de Passo Fundo, podem esperar de Ricardo Azevedo para essa Jornadinha?

Um cara que chega com vontade de saber o que está acontecendo, conversar, ouvir e trocar experiências.

26 A 29 DE AGOSTO DE 2003 - CAMPUS UPF - CIRCO DA CULTURA - PASSO FUNDO - RS - BRASIL
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